Por Redação
O que era para ser uma celebração autêntica da cultura nordestina, com forró pé de serra, sanfona, fogueira e bandeirolas coloridas, tem se transformado, em muitos municípios, em um espetáculo de ostentação financiado com dinheiro público e recheado por artistas sem qualquer ligação com a essência do São João. A crítica vem se intensificando, sobretudo após a divulgação de shows contratados por valores que ultrapassam R$ 1 milhão por apresentações de menos de duas horas.
O alerta vem de vozes como a do comunicador e produtor cultural Adeilton Silva, que, em texto publicado no perfil @agrosertaooficial, denuncia o que define como o enterro da maior festa popular do Nordeste. “É triste verificar a invasão de ritmos que não têm nenhuma conexão com o São João”, diz ele. “Quem está levando vantagem, com certeza, não é o povo.”
Em vez do forró tradicional de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Trio Nordestino e tantos outros mestres da sanfona, o que se vê são grandes estruturas montadas para astros do pop, sertanejo, piseiro industrializado e até funk — tudo com recursos públicos que, em muitos casos, poderiam estar sendo usados para melhorar serviços essenciais em municípios com baixos índices de desenvolvimento.
Cultura à margem, artistas invisibilizados
O fenômeno tem causado indignação entre artistas locais, produtores culturais e parte da população, que assiste à descaracterização de uma tradição que atravessa gerações. Os verdadeiros forrozeiros, afirma Adeilton, estão sendo tratados como atrações secundárias, “complementos” que entram no palco quando a multidão já se dispersou. A essência do São João, construída com identidade, suor e arte popular, tem sido ignorada por quem deveria protegê-la.
“Estamos jogando fora tudo aquilo que nossos antecessores construíram com poesia e arte. A sanfona, que já foi símbolo de resistência cultural, hoje silencia diante da guerra invisível que estamos perdendo: a da memória e da cultura”, lamenta.
O custo da vaidade política
Por trás dessa distorção cultural, há também uma lógica política que prioriza o imediatismo da popularidade em detrimento do investimento na identidade cultural. Prefeitos e gestores, com raras exceções, apostam em grandes nomes da mídia para atrair multidões, mesmo que isso custe milhões aos cofres públicos e promova um modelo de entretenimento genérico e padronizado, que poderia ocorrer em qualquer lugar do Brasil — menos no coração do São João nordestino.
Um povo sem cultura é um povo sem história
A crítica não é contra a festa, mas contra o modelo que se impôs: superfaturado, descolado das raízes e, muitas vezes, sem planejamento. A crise é simbólica, mas também econômica e política. O São João está sendo entregue à lógica do mercado e da vaidade, enquanto os mestres da cultura popular são esquecidos nos bastidores ou sequer contratados.
“É doloroso pensar no que vamos deixar para os nossos netos: uma festa sem raízes, sem identidade, vazia de sentido?”, questiona Adeilton. A resposta, ainda em construção, depende de uma ação urgente dos gestores públicos e da sociedade civil para preservar, valorizar e respeitar a cultura do povo nordestino.
Se o São João é a alma do Nordeste, silenciar a sanfona é calar o coração de um povo inteiro.
fonte: Portal dos Municípios