Um passeio pela Avenida Paulista Cartão-Postal e síntese de São Paulo, que completa 469 anos
byRedação Pirôpo News•
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Por Gabriela Marçal e Fábio Leite
Existe uma velha anedota que compara a Avenida Paulista a um casamento. Ambos “começam no paraíso e terminam na consolação”. A piada faz alusão aos bairros que ficam nos extremos da icônica avenida paulistana, cartão-postal da cidade de São Paulo. Mas a Paulista, repleta de belezas e mazelas, é uma via de mão-dupla nos seus 2,7 quilômetros de extensão. Pode-se começar na consolação e terminar no paraíso.
Basta girar o pescoço para ver, no mesmo quarteirão, um símbolo histórico do espigão central construído em 1891, para abrigar os casarões dos barões do café, e a arquitetura moderna arrojada que ainda marca aquele que já foi o centro financeiro do país, hoje substituído pela insípida avenida Faria Lima. Olhar o horizonte da Paulista, emoldurado por 158 edifícios, reforça a pujança da capital que produz quase 10% de toda a riqueza nacional. Uma breve caminhada pelas largas calçadas, porém, mostra que, entre seus dez mil moradores, a Paulista exibe um crescente número de famílias sem-teto.
Neste 25 de janeiro, dia em que São Paulo comemora 469 anos, o Metrópoles convida o leitor para um passeio pela Avenida Paulista, que sintetiza como nenhum outro local as contradições da capital paulista. Ela é uma vitrine que conta a história da cidade e reflete as suas transformações econômicas, sociais e culturais. Uma vitrine que exibe do caos do trânsito e o temor do assalto aos mais ecléticos eventos culturais, entre exposições internacionais em museus fantásticos e shows de artistas de rua. Uma vitrine que anuncia os empregos que ainda fazem de São Paulo a “terra do trabalho” e exibe manifestações políticas, tanto progressistas quanto conservadoras.
A Avenida Paulista é o mais preciso termômetro socioeconômico da capital. E quem, em algum momento, já “casou” com São Paulo sabe que entre o Paraíso e a Consolação há uma metrópole em permanente ebulição. “A grande força da Avenida Paulista é essa mescla de moradia, lazer, trabalho e cultura em quase três quilômetros, aliada à grande mobilidade do corredor de ônibus e do metrô. Tudo isso faz dela, realmente, uma avenida para todo mundo”, afirma a arquiteta e urbanista paulistana Adriana Levisky.
A PUJANÇA E O ABANDONO
A Avenida Paulista já foi o centro financeiro do país. Nas últimas décadas, perdeu o posto para a Faria Lima, que fica a cinco quilômetros de distância, na região oeste da cidade. Nem por isso, ela entrou em decadência. Embora não viva o seu auge, a Paulista ainda concentra boa parte do poder econômico brasileiro. O mais conhecido deles é a sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que fica no centro da avenida, e hoje é palco de uma intensa disputa política pelo seu comando. A 800 metros dali fica o edifício Banco do Brasil, onde o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, costuma despachar no 15º andar toda sexta-feira. Mais de outros cem aranha-céus compõem a paisagem do eixo que simboliza oportunidades de trabalho e negócios para quem vem de fora.
Foi um emprego em um grande banco que colocou a Paulista no trajeto diário do analista financeiro pernambucano Alex Leite, de 42 anos, que destaca a diversidade de atividades distribuídas ao longo da avenida, que incluem restaurantes, hotéis, shoppings, hospitais e espaços culturais. “Embora existam outros centros financeiros, a Paulista é uma referência não só para o Brasil, mas também para a América Latina. Então, a primeira percepção é se sentir próximo ao poder”, acredita Leite, que se desloca todos os dias do Jaguaré, na região oeste, para trabalhar na avenida. “Ao mesmo tempo isso não é para todo mundo. É preciso ter poder aquisitivo. Aqui, você vê a questão da desigualdade de uma maneira muito intensa. Existem pedintes e moradores de rua com diversas características: deficientes, mães com crianças e até bebês recém-nascidos. É algo que me sensibiliza muito”, ressalta.
Essa fotografia do abandono descrita por Alex Leite se agravou nos últimos anos em razão da pandemia. Com a quarentena imposta pelas autoridades, para tentar frear a disseminação do coronavírus, comércios fecharam as portas e as placas de “aluga-se” se tornaram mais comuns na avenida. Como reflexo social dessa crise, as calçadas da Paulista foram ganhando cada vez mais barracas com famílias em situação de rua, fenômeno visível nos quatro cantos da cidade. Na tarde de uma quarta-feira, um jovem negro lavava roupas em um balde em plena Paulista, enquanto ônibus, carros e pedestres passavam apressados a poucos metros. A algumas quadras dali, uma mulher torcia a roupa e usava grades como varal. Pedaços de calçada viraram casa de mendigos, com os cachorros que acompanham muitos deles revirando lixos.
A situação mais crítica está na passagem de nível sob a Praça do Ciclista, no trecho final da Paulista, próximo à Consolação, onde uma mini-cracolândia se formou durante a pandemia. O trecho cheira a urina e aglomeração de usuários de drogas já chegou a ocupar uma das faixas da avenida. Durante o dia, os dependentes químicos circulam pela Paulista, pedindo dinheiro ou praticando pequenos roubos e furtos, a fim de comprar pedras de crack. “Como psicóloga, não consigo não ver pessoas ‘demenciando’ na rua. As pessoas que gritam para o nada são, para mim, o retrato mais pungente da situação”, relata a psicóloga Camila Tuchlinski, de 41 anos, que mora na Avenida Paulista.