Por Márcio Piropo, O Peso Pesado da Notícia
O cenário religioso evangélico no Brasil passa por uma transformação silenciosa, mas monumental. Embora os dados oficiais mais recentes (Censo 2022) ainda não tenham detalhado o fenômeno, as estimativas de analistas e especialistas apontam para algo entre 15 e 20 milhões de brasileiros que se identificam como cristãos, mas que decidiram romper com as estruturas eclesiásticas. Este é o crescente movimento dos "Desigrejados".
Longe de ser um abandono da fé, este é um movimento de desinstitucionalização, onde a busca por Deus ocorre fora dos templos, sem a obediência cega a pastores, bispos ou apóstolos. A fé se muda para a sala de estar.
A Gota D'Água: A Crise de Credibilidade da Liderança
A principal força motriz por trás deste êxodo não é a perda de fé, mas a perda de confiança. A decepção com o "sistema religioso evangélico" atinge seu ápice diante dos frequentes e chocantes escândalos envolvendo líderes de alto escalão.
A crise de credibilidade é diretamente alimentada pela revelação de crimes graves. Notícias de pastores presos por pedofilia, estupro, roubo e desvio de verbas atuam como catalisadores para a ruptura. O fiel, ao ver que a figura de autoridade moral e espiritual está envolvida em condutas criminosas, questiona o sistema que permitiu, promoveu e, muitas vezes, tentou acobertar esses atos.
Para o Desigrejado, a hipocrisia entre o púlpito e a vida privada do líder se torna insustentável. A igreja deixa de ser um porto seguro e passa a ser vista como uma estrutura falida, focada em poder e lucro, e não na salvação e no cuidado com a comunidade.
O Novo Templo: A Fé em Casa e a Busca por Autenticidade
Quem rompe com a igreja institucional não se torna, necessariamente, um "sem-religião". O Desigrejado é um cristão que opta por uma fé autônoma e descentralizada.
- Reuniões Informais: A comunhão é buscada em pequenos grupos, muitas vezes em lares, onde a leitura bíblica, a oração e a ajuda mútua são realizadas sem as formalidades, hierarquias ou exigências financeiras (dízimos e ofertas) das grandes denominações.
- Tecnologia como Púlpito: O conteúdo espiritual migra para o digital. O Desigrejado consome pregações, estudos e louvores de forma seletiva, escolhendo a fonte de acordo com a qualidade doutrinária e a ética do mensageiro, e não pela placa da igreja.
- Relacionamento Direto: Há uma forte ênfase no relacionamento direto e pessoal com Deus, rejeitando a necessidade de um mediador humano (pastor) para validar a fé ou o perdão.
Análise Filosófica: A Liquidez da Fé no Século XXI
Este fenômeno não pode ser analisado apenas sob a ótica da religião, mas também sob a perspectiva filosófica. O movimento dos Desigrejados ecoa as características da Modernidade Líquida.
Assim como os laços sociais se tornaram fluidos e o compromisso com as instituições diminuiu na sociedade contemporânea, o evangélico brasileiro aplica essa liquidez à sua fé. O indivíduo rejeita a rigidez, a tradição e o compromisso a longo prazo com uma denominação, preferindo uma experiência de fé mais personalizada, portátil e adaptável às suas necessidades.
A Igreja, vista por alguns como uma mercadoria no mercado da fé, falha em atender a essa demanda por autenticidade, e o resultado é o crescimento das "igrejas sem placa".
A Pergunta para o Futuro
Diante de um contingente populacional tão vasto, a grande questão para o evangelicalismo no Brasil é: as igrejas institucionais conseguirão se reformar, resgatando a ética, a transparência e a vocação pastoral original, ou o fenômeno dos Desigrejados continuará a drenar a base de fiéis, levando a uma reconfiguração permanente do panorama religioso nacional?
O Desigrejado, ao voltar para casa, está fazendo um convite à reflexão sobre a própria essência do que significa ser "igreja".