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Por Marcius Pirôpo
(Eu,Marcius Pirôpo reitero meu profundo respeito por todas as manifestações de fé e ausência de fé, como evangélicos, católicos, umbandistas, espíritas e ateus, em um país laico. O propósito desta matéria é exclusivamente alertar as autoridades e frear ações legislativas que ferem o princípio constitucional da laicidade estatal e a segurança da formação infantojuvenil.)
Em um movimento crescente e preocupante, diversas Câmaras de Vereadores em todo o país têm aprovado projetos de lei que visam impor a Bíblia como material de apoio ou recurso paradidático nas escolas públicas. A iniciativa, muitas vezes pautada na alegação de valor cultural, ignora a complexidade intrínseca do texto e os graves riscos que sua leitura descontextualizada pode acarretar para crianças e adolescentes.
O Brasil é um Estado laico, e a escola pública deve ser um ambiente neutro, que promova o conhecimento e o pensamento crítico, e não o proselitismo de qualquer religião, seja ela a cristã ou outra. A adoção obrigatória da Bíblia nas salas de aula constitui um privilégio inconstitucional à tradição cristã, desrespeitando o pluralismo religioso nacional e as diversas culturas de matriz africana, indígenas, orientais, ou até mesmo aqueles que não professam crença alguma.
A Bíblia é, antes de tudo, uma vasta coleção de textos de origem humana, compilada ao longo de séculos e consolidada em eventos históricos como o Concílio de Niceia. Não existe uma única "Bíblia"; existem diversas versões e cânones utilizados por diferentes religiões — e muitas outras religiões sequer utilizam o livro.
Essa natureza complexa se reflete na dificuldade de sua interpretação, que gera divergências até mesmo entre teólogos e eruditos formados. O fato de existirem inúmeras denominações cristãs, todas utilizando o mesmo livro, mas com interpretações doutrinárias distintas, é a maior prova de que o texto não é de leitura simples e unívoca.
Diante disso, forçar uma criança ou um adolescente a ter contato com esse material sem o devido filtro acadêmico e histórico é abrir a porta para a absorção de conceitos que podem ser distorcidos e prejudiciais à sua formação.
O Perigo do Conteúdo para a Formação Infantil
O livro "sagrado" contém narrativas que, fora de seu contexto histórico, teológico e literário, apresentam temas extremamente sensíveis e inadequados para o público em formação. Estamos falando de passagens que narram, literalmente, atos de:
- Violência Extrema e Assassinato: Há relatos, por exemplo, de um profeta cuja zombaria de jovens resulta em 42 deles sendo mortos por ursos que saem da floresta, a mando de Deus (2 Reis 2:23-24).
- Genocídio e Violência Sexual: Existem passagens onde o Deus de Israel ordena a invasão de cidades, o extermínio de toda a população, com exceção de jovens virgens, que seriam poupadas para serem usadas (Números 31:17-18).
- Incesto e Imoralidade: O livro traz a história de duas filhas que embebedam o próprio pai para terem relações sexuais com ele, a fim de garantir descendência (Gênesis 19:30-38).
Para além da inconstitucionalidade da quebra da laicidade, a inclusão da Bíblia como material didático obrigatório choca-se frontalmente com os princípios dos Direitos Humanos e com os valores da educação contemporânea. Como justificar o uso de um livro que regula a escravidão e a violência no ambiente de ensino? Passagens como Levítico 25:44-46 explicitam que é permitido "comprar" escravos das nações vizinhas e estrangeiros residentes, podendo deixá-los como "herança para vossos filhos" para que sejam "escravos para sempre." Mais perturbador, Êxodo 21:20-21 trata da violência contra escravos, determinando que o senhor não será punido caso seu escravo ou escrava ferido por uma surra não morra imediatamente, mas "se [o escravo] sobreviver por um ou dois dias, não será castigado, porque é propriedade sua." Um texto que classifica o ser humano como "dinheiro" ou "propriedade" e regulamenta a punição violenta é inerentemente incompatível com o ensino cívico e humanista que o Estado laico deve promover.
A Bíblia, lida de forma crua por uma criança, apresenta temas de assassinato, xenofobia e referências de natureza pornográfica. Se a interpretação é difícil para um adulto, o que dirá para uma criança?
O perigo reside na possibilidade de o aluno, ao absorver narrativas de violência ou crueldade extrema como atos divinamente justificados, internalizar esses padrões como condutas corretas. Em um momento onde a sociedade discute seriamente a violência escolar — e onde se observa, historicamente, um maior índice de tragédias com jovens em escolas, como nos Estados Unidos —, a exposição ao conteúdo bíblico sem a devida mediação pode ser um fator perigosíssimo na formação moral e psicológica de um indivíduo.
É urgente que as autoridades e o Poder Judiciário intervenham para frear esses legisladores que, sob o manto da fé, tentam impor um material de difícil interpretação e com alto teor de sensibilidade em escolas mantidas por um Estado constitucionalmente laico. A escola pública é para todos, e a proteção da formação crítica e moral dos nossos jovens deve estar acima de qualquer agenda religiosa particular.

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ENGRAÇADO. Nunca vi uma manifestação sua, quando livros com histórias sobre orixás são impostos para crianças de 4 a 5 anos, como aconteceu em São Paulo
ResponderExcluirSua indignação é seletiva
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